Bondmania Entrevista Eduardo Torelli

Entrevista com Eduardo Torelli Autor do livro Sexo, Glamour e Balas

 


 

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Porque 007 continua fazendo sucesso até hoje?

Eduardo Torelli

Porque, quando criou o personagem, Ian Fleming inventou uma fórmula imortal (a rigor, aperfeiçoada no segundo livro da série, “Live and Let Die”) que pode se adaptar a diferentes contextos, a diferentes épocas. Além disso, os filmes foram muito sagazes em se abrir para referências externas quando a “febre James Bond” começou a se desgastar, no finzinho dos anos 60. Os produtores mantiveram o DNA original dos filmes, mas passaram a incorporar às tramas referências a outros blockbusters de sucesso. Por exemplo: no início dos anos 70, encontraram um jeito de pegar carona na popularidade da “blackexploitation” e dos filmes de Bruce Lee ao incorporar elementos dessas produções em “Viva e Deixe Morrer” e “O Homem da Pistola de Ouro”. E mais recentemente, deram uma espiada em “24 Horas” e na “Trilogia Bourne” para moldar a nova face do personagem nos anos 2000. Não tem como errar.

 


 

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Qual foi sua motivação para escrever o livro Sexo, Glamour e Balas? Você recebeu um convite ou escreveu por vontade própria?

Eduardo Torelli

Não sou exatamente um fã devotado, no sentido de colecionar artigos sobre o personagem, esse tipo de coisa. Me formei em jornalismo porque queria enveredar pelo jornalismo cultural, ou seja: aquele que se concentra em comentar e analisar livros e filmes. Claro que adorava os filmes de Bond na adolescência, mas o que me fez escrever o livro foi a oportunidade de comentar, através dos livros de Ian Fleming e dos filmes neles inspirados, como a política internacional, os costumes e até a moda influíram em um produto cultural de sucesso. Porque sempre existe uma relação direta entre essas coisas. Se um filme faz muito sucesso em determinada época, isto é sinal de que o filme em questão incorpora uma série de temas e valores que estão em voga na sociedade que o produziu naquele momento específico da História. Se você assistir aos filmes de ação americanos produzidos após o 11 de setembro, verá que quase todos são coestrelados por terroristas na linha do Bin Ladden. E assim por diante. Achei que seria legal fazer esse paralelo entre ficção e realidade no meu livro.

 


 

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Na época que escreveu o livro como conseguiu as referências para contextualizar o seu livro?

Eduardo Torelli

Como se conseguia informações antes da Internet ser inventada: em livros, artigos de jornais pinçados de arquivos, documentários em vídeo importados do exterior etc. Acho que, antes da Internet, a pesquisa era até mais valorizada. Já na reedição, de 2007, contei com a força de amigos que se dispuseram a me ajudar a completar as informações que não estavam disponíveis em 2003 (quando saiu a primeira edição). Marcus Vinicius e Fabiano Couto me deram uma força, respectivamente, no levantamento de todos os sites sobre o personagem que existiam naquela época e de todo o merchandising atrelado ao personagem (canequinhas, miniaturas, roupas etc.) produzido a partir dos anos 60. E Rodrigo Salem, amigo e colega de profissão dos tempos da revista “Set”, me cedeu uma entrevista completa que fez com Daniel Craig assim que este assumiu o papel, o que, em minha opinião, deu um fecho legal ao livro, antecipando uma nova era para o herói.

 


 

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Você coleciona itens relacionados a James Bond?

Eduardo Torelli

Quase nada. Tenho os filmes e os livros, claro, e umas miniaturas dos carros que ganhei. E um pôster de “007 Contra Goldfinger” que está na sala do meu apartamento. Mas, como disse, não sou um fã devotado.

 


 

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Você se refere a Timothy Dalton como o ator que fez o Bond mais fiel aos livros, consegue imaginar sua atuação no filme 007 contra Goldeneye?

Eduardo Torelli

Com certeza. Acho que faltou ao Timothy Dalton um filme mais com “jeitão” de 007 para coroar sua passagem pela série. Lembrando que Dalton é um “monstro” de ator, com formação shakespeareana. Foi uma aquisição e tanto, na época. Teria sido um 007 bem legal em “GoldenEye”, sim.

 


 

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Como seu livro foi recebido na época do lançamento? Acredita que se tornou uma referência internacional?

Eduardo Torelli

Não acho que tenha virado referência internacional, embora algumas pessoas de fora me escrevam, de tempos em tempos, querendo adquirir exemplares (já recebi e-mails de gente da Grécia, da Inglaterra e da França, por exemplo). O livro teve uma repercussão muito acima do esperado (por mim e pela editora, acho). Mas foi um trabalho independente, lançado por uma editora independente. Não éramos a “Companhia das Letras” e eu não sou o Paulo Coelho. As resenhas foram bastante favoráveis e me envaideceram. O livro chegou a ser capa do caderno de Cultura do “Estado de São Paulo”. Para mim a repercussão foi de bom tamanho.

 


 

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Eduardo, o padrão de qualidade da franquia foi elevado com a Era Craig. Tivemos um Diretor Oscarizado (Sam Mendes) e um Diretor Artístico (Marc Foster) no comando dos filmes, assim como atores premiados. Como você enxerga o futuro da franquia?

Eduardo Torelli

Não sei se concordo com sua afirmação. Acho que os filmes de James Bond foram inventados por uma equipe que pensava de forma muito original e é produto desses pioneiros a relevância que James Bond conquistou em todo o mundo, já nos anos 60. Obviamente, em tempos mais recentes, houve um ingresso de profissionais “oscarizados” no time de produção, mas justamente aí é que está o maior problema com os novos filmes, em minha opinião. Não adianta contratar um roteirista badalado se ele não conhece bem a fórmula dos filmes e, em vista disso, opta por “reinventar” tudo ao seu gosto, mudando a essência do personagem. Não reconheço James Bond nos primeiros filmes de Daniel Craig. Vejo um brutamontes sem consciência e sem qualquer senso de humor, que não condiz com o 007 imaginado por Ian Fleming nem em “Cassino Royale”, que apresentava a versão mais “crua” do personagem em seus tempos literários. Mas o futuro da franquia me parece mais promissor, como sempre achei que seria, a partir do momento em que a “novidade” do reboot se esgotou e os produtores perceberam o óbvio: eles não têm mais para onde correr ou inovar. “Spectre” é um indicativo de que as velhas convenções estão de volta, inclusive as armas secretas, o humor, os supervilões e todos os “baratos” que realmente queremos ver em um filme de 007.

 


 

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O que achou de 007 contra SPECTRE?

Eduardo Torelli

Gostei e não gostei. Explico: James Bond voltou às bases originais, o que é bom, mas o resultado é um pouco desconjuntado em vista do novo cenário em que a série é ambientada (mais realista e violento). Daniel Craig é bom em cenas de luta, mas é péssimo quando tenta ser engraçado ou sarcástico. Ele simplesmente não parece inteligente o bastante para ser sarcástico. Alguns críticos disseram que “007 Contra Spectre” lembrava alguns dos filmes com Roger Moore, o que é verdade, até certo ponto. Agora, imagine Daniel Craig substituindo Roger Moore naquelas cenas de “O Espião que me Amava” ambientadas no Egito, com o Jaws destruindo um carro com as mãos nuas, pilastras milenares desabando, aquele fuzuê todo... Não tem como dar muito certo. Outro problema com “Spectre” é insistir em alguns vícios formulaicos sem criar uma ambientação que os sustente. Cenas mirabolantes de tortura são parte da mitologia de 007, mas só funcionam quando bem inseridas no contexto do filme. Por exemplo: em “Goldfinger” o vilão usava um laser industrial para torturar 007, mas o personagem tinha um “propósito” com tudo aquilo: ele precisava extrair uma informação vital de Bond – e rápido. Por acaso, Goldfinger tinha um laser industrial à mão (a cena se passa em uma das instalações industriais do personagem, que é um empresário fabulosamente rico) – e assim, toda a pirotecnia daquela cena se justifica. Já a cena de tortura em “Spectre” é menos eficaz porque é gratuita. Era mesmo necessário prender Bond naquela “máquina mortal” àquela altura do campeonato? Ficou parecendo coisa do “Dr. Evil”, de “Austin Powers”. E o desfecho é ridículo – simples assim. Mas, mesmo com todos esses “senões”, achei o filme divertido. Quero ver o que os produtores farão nos próximos capítulos da série a partir das sementes plantadas em “Spectre”.

 


 

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Qual seu filme preferido da série e qual diretor você gostaria que integrasse a série?

Eduardo Torelli

Meu filme predileto é “007 Contra Goldfinger”, por ser o que melhor sintetiza a fórmula de sucesso do personagem no cinema. E eu gostaria muito de ver “aquele” prometido filme de James Bond dirigido por Steven Spielberg, que, acredito, nunca sairá do papel. Mas sou da opinião de que não dá muito certo trazer diretores famosos para realizar esses filmes. Um diretor com “pegada” mais autoral sempre vai querer colocar sua “marca” no filme, “personalizá-lo”, de certa forma. E isso quase sempre é um problema quando o filme em questão funciona melhor a partir da reedição de uma fórmula testada e aprovada.